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Agulhinha

As palavras da professora de música Lydia Hortélio sobre a infância são marcadas pela intensidade de quem viveu uma meninice cheias de sons (o do jogo das pedrinhas), sabores (do cozinhado) e cores (da terra do quintal, das panelinhas de barro).

Ela cresceu em Serrinha, interior da Bahia, num quintal com "25 mangueiras". Lá, "dia de sábado, quando tinha a feira de Serrinha, era dia de brincar de cozinhado". E a mãe de Lydia ia para debaixo da mangueira, onde a brincadeira acontecia, comer aquele "cozinhado esfumaçado".

De manhã, perto da escola, as crianças se esparramavam no passeio (calçada) para jogar carrapetinha de eucalipto, que vira pião em suas mãos.

À tardinha, depois de tomar banho, a menina se juntava com os amigos para pular macaquinho (amarelinha) ou jogar capitão (cinco pedrinhas). "[Capitão] foi meu brinquedo preferido. Meu Deus do céu!, sou capaz de me lembrar até hoje o som das pedrinhas batendo", conta.

Em noite de lua cheia, depois da "ceia" (jantar), as rodas tomavam as ruas. "A cada duas, três casas tinha uma roda de meninas."

Um de seus brinquedos cantados preferidos era o da Agulhinha, em que um grupo de crianças formava uma fila, e, diante do grupo, ficava uma menina sozinha. Durante a brincadeira, a fila desloca-se até a menina, e a menina desloca-se até a fila, "uma parede de crianças". A brincadeira funciona assim:

Primeiro, a fila canta, enquanto vai na direção da menina:

"De onde vem aquela menina

Tão longe, tão longe?"

A fila anda para trás.

Aí é a vez de a menina caminhar em direção à fila; ela responde:

"À procura de uma agulha

Que eu aqui perdi"

A fila volta a cantar e a se aproximar:

"Menina, volta para casa, vai dizer a seu pai, seu pai, seu pai

Que uma agulha que se perde não se acha mais"

A menina anda a caminho da fila e responde:

"Eu já fui, já voltei, já disse a meu pai, meu pai

Que uma agulha que se perde não se acha mais"

Ela se aproxima mais da fila e escolhe:

Será esta, será esta, será esta, não?

Será esta a agulhinha do meu coração?"

A menina escolhe uma das crianças, que passa a ser a "agulhinha". A antiga "agulhinha" entra na fila.