Adriana Klisys
As regras do jogo
“A brincadeira não tem que gerar uma produção, é um processo essencial para a criança se constituir como indivíduo. Assim como a matemática é importante na escola, o jogo também é.”
A psicóloga paulista Adriana Klisys pesquisa o papel do jogo na relação do homem com o conhecimento. "A invenção de novas regras ensina às crianças que as normas não são sempre dadas, elas podem ser combinadas entre os parceiros do jogo. Elas aprendem algo que também é verdadeiro na sociedade: a realidade também pode ser construída", diz. Klisys desenvolve oficinas de criação de jogos em espaços lúdicos que aproveitam materiais disponíveis no meio em que vivem -e dão muito pano para a manga da imaginação.
Qual é o papel dos jogos para o desenvolvimento da criança?
Os jogos embalam as crianças para a vida! E sobretudo lhes mostram maneiras de se relacionar. Os jogos ensinam a cooperação até quando envolvem a competição porque um sempre precisa do outro para jogar. Dão à criança a rica experiência dos processos. Enquanto jogam, as crianças estão vivenciando um processo de interação, de desafio, de busca por algum sentido. É nesse processo que está a maneira de a criança se expressar, sentir e construir conhecimento.
Como elas aprendem a socializar-se através do jogo?
O jogo é pura socialização! Lembro-me de uma situação em que uma criança de três anos jogava bolinha de gude com outras de cinco anos. Ele não sabia como jogar a bolinha do jeito que os outros faziam. Aí ele propôs às crianças mais velhas uma forma diferente de jogar. Elas toparam, e o pequeno passou a ensinar aos outros como fazer. Ele acabou ficando mais confortável também para aprender o que não sabia sem se sentir inferior aos outros. Isso acontece muito no jogo. As crianças encontram maneiras de lidar com suas diferenças e enfrentar desafios.
Por que mudar e inventar regras é importante?
A invenção de novas regras ensina às crianças que as normas não são sempre dadas, elas podem ser combinadas entre os parceiros do jogo. Elas aprendem algo que também é verdadeiro na sociedade: a realidade também pode ser construída. Conhecer a história dos jogos, por exemplo, é importante para perceber que, ao longo do tempo, as regras mudaram, as maneiras de brincar também. O brincar é, ao mesmo tempo, legado e construção cultural.
Que jogos são fundamentais?
É sempre bom mesclar jogos que existem há muito tempo e os mais atuais. A criança deve conhecer jogos como xadrez, damas, fecha-caixa (jogo dos marinheiros do século 18), mancala (jogo africano que é um dos mais antigos do mundo, e o jogo da onça, dos índios brasileiros. Eles podem ser aprendidos na escola e envolvem habilidade estratégica. Além disso, alguns têm mais de 4.000 anos. Se eles não forem ensinados, se perderão.
Como deve ser uma brinquedoteca?
Ela tem que ter uma participação grande das crianças na sua constituição e na organização do espaço. Isso porque elas precisam poder pegar os brinquedos e jogos à vontade. Outra coisa interessante é que os brinquedos não sejam todos comprados e prontos, para que elas ajudem na construção do acervo fazendo jogos de tabuleiro com papelão e tampinhas, por exemplo. Às vezes, você vai a uma escola e tudo está muito no controle do adulto. As crianças não conseguem nem pegar uma tesoura sem permissão.
Por que as crianças estão brincando menos na escola?
Falta, sobretudo, tempo destinado ao brincar. As atividades coordenadas pelos professores realmente exigem concentração. O problema é que elas vão se sucedendo. Primeiro, as histórias, depois, a escrita, depois a pintura, sem espaço para nada entre elas. Estamos aprisionados em um currículo que não pensa o brincar. Ele fica restrito aos recreios, que também estão cada vez mais curtos, sem o tempo adequado para as crianças se aprofundarem em suas brincadeiras.
Que tipo de brinquedos as escolas devem ter?
As categorias principais que deveriam ser contempladas são os jogos simbólicos (casinha e bonecos, por exemplo), jogos de tabuleiro, jogos que envolvem habilidade física, como corda e bola, e brinquedos menos estruturados, como sucata.
O mais importante são materiais que podem virar muitos brinquedos. Toda escola deveria ter caixas de pano velho para as crianças fazerem fantasias. Toco de madeira pode ser o leitor ótico na brincadeira de supermercado; pode ser o celular, uma peça do castelo. Tiras de couro e embalagens de bombom podem virar roupas de bonecos. Roupas de cama velhas servem para fazer cabanas, amarrações.
É mais importante usar materiais de sucata do que ter brinquedos industrializados?
Um material não exclui o outro. É desejável que se tenha acervo material de brinquedos, sucatas e ainda outros que gerem possibilidade de brincadeira, como panos, giz de lousa, barbante etc. Também devemos considerar a imaginação infantil como um potente construtor de materiais invisíveis, mas de um simbolismo que quase os torna reais! Já vi crianças desenhando um avião no chão com giz. Elas se sentavam no desenho e viajavam pelo mundo inteiro! Também vi meninas na escola brincando de elástico imaginário, fazendo os movimentos corretíssimos e apontando quando alguém errava. Isso só prova que elas não precisam necessariamente de brinquedos prontos para brincar, basta que tenham materiais com que possam exercitar a imaginação.