Chico dos Bonecos
Palavra de bonequeiro
“O coração do brincar é a atividade investigativa, exploratória, experimental. Para a criança, brincar e pensar são uma coisa só. Como vamos abrir mão de algo que é a maneira de a criança se relacionar com o mundo?”
"Esse pano é muito bom, nem desbota nem botina." Francisco Marques, o Chico dos Bonecos, gostava de ouvir a avó brincando com a palavra. Seu interesse pelas letras o levou a escrever. Mas a escrita precisava ganhar corpo. Foi então que ele descobriu os bonecos. Começou a confeccioná-los aos 14 anos de idade. Dos bonecos, passou aos brinquedos. Dos brinquedos, veio o encontro com a educação. Há alguns anos, ele realiza oficinas para educadores e crianças, resgatando brinquedos antigos como o diabolô e a escada de Jacó.
De onde surgiu o nome Chico dos Bonecos?
Tenho formação em letras, e foi a palavra que me levou para os bonecos. Eu escrevia poema e prosa e queria comunicar essas histórias. Aí assisti a um teatrinho de bonecos lá em Belo Horizonte e falei: "É isso!". Comecei a fazer os bonecos com 14, 15 anos. E sempre fazia em comunidades, informalmente. Aí fui sendo atraído pelas crianças e fazendo umas brincadeiras que minha avó fazia, com as palavras. Fazia uns trava-línguas, contava umas historinhas. Então comecei a me interessar pelos brinquedos, a fazer uma pesquisa informal (o próprio diabolô já estava presente na memória da minha família). Muito tempo depois é que fui juntar tudo isso com educação. Mas a origem é a palavra.
Como funcionam os brinquedos de palavras?
São um tipo de língua secreta. Você captura a rima do nome e encaixa em determinados sons. A língua do "p", por exemplo, e suas variações. Olha a riqueza linguística que está aí: João Pãomão de Mofão Saracutão. Você está pegando a rima do nome, e a criança não erra a rima, antes mesmo de saber o que é rima e de saber o que é sílaba. Então a oficina começa com as palavras, depois tem uma série de brincadeiras. E termina com a construção da escada de maracá, que é um brinquedo que nunca teve um nome apenas.
E por que essa admiração que temos diante dos brinquedos tradicionais, batizados por você de milenares e planetários?
Primeiro, porque muitos realmente não os conhecem. E, se conhecem, eles tocam no nervo da memória da infância. E, também, quando eles pegam no brinquedo, eles acham que é isso. E não é, é ritmo. Tem que dialogar com seu ritmo. As crianças menores aprendem primeiro, porque a linguagem delas é rítmica e corporal.
Brinquedos tradicionais e tecnológicos: de que as crianças precisam?
Nós queremos oferecer tudo para as crianças. Os brinquedos milenares e planetários e os tecnológicos também. Se elas não brincam com todos esses brinquedos milenares, é simplesmente porque não os conhecem. É importante transitar de um tipo de brinquedo para o outro -e não há contradição nenhuma nisso.
Explique um pouco como funciona esse brinquedo chamado escada de Jacó?
É um brinquedo alegre, e alegria não precisa de explicação. Ele ilustra muito bem a atividade da criança ao brincar: investigação, experimentação, exploração. Portanto, uma atividade de construção do conhecimento. Mas o que é essa tal de construção do conhecimento? É uma coisa que só pode acontecer em situações em que o educador possibilite a investigação, a experimentação e a exploração. É um brinquedo que trabalha com a imaginação. Serve até para você contar uma história. E se transforma num livro, porque vamos introduzindo palavras e desenhos nas fitas. E o processo da construção já é em si uma brincadeira.
Qual é a importância da brincadeira no espaço escolar?
Incorporar o brinquedo e a brincadeira à educação é algo essencial. Se a gente [grupo de educadores] abrir mão disso, certamente estamos tornando nosso trabalho deficiente. Não é a solução de tudo, mas é algo essencial, porque o coração do brincar é a atividade investigativa, exploratória, experimental, e é isso que possibilita a construção do conhecimento. Para a criança, brincar e pensar são uma coisa só. Como vamos abrir mão de algo que é a maneira de a criança se relacionar com o mundo? Com os brinquedos e as brincadeiras, vamos ensinar mais e melhor. É a arte abrindo caminho para a ciência.
E esse discurso do "antigamente, na minha infância, era muito melhor" tão recorrente? Como brincam as crianças hoje?
Nosso discurso sobre a infância é sempre assim. Mas as crianças de hoje continuam brincando. Inventam brincadeira em qualquer canto. A própria imagem da criança hipnotizada em frente à TV não é verdade. A criança assiste à TV pulando, inquieta. Esse poder todo que a TV tem sobre a criança não é verdadeiro. Tem problema, claro, se a criança não tem outras alternativas de diversão, se a TV ocupa um espaço que os seres humanos (o pai, a mãe, o avô, o professor) não estão ocupando. Mas é bom questionar o olhar do adulto. O mesmo com a internet, que traz coisas interessantíssimas. Tem muita coisa ruim? Tem. Assim como também tem muito livro ruim. Os pais devem acompanhar, mas não proibir.
Que infância é essa que você vê hoje em dia?
Acho que é uma infância boa desde que tenha uma coisa muito importante: a companhia. Companhia dos pais, de outras crianças. Esse é o grande brinquedo da criança. Nós, adultos, às vezes, temos pouca consciência dessa importância, também por cultivar pouco a nossa memória de infância. Brincar com as crianças nos aproxima delas.